A União Estável, reconhecida como entidade familiar, nos termos do artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, e disciplinada pelos artigos 1.723 a 1.727, do Código Civil, configura-se pela convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.
A princípio, a pluralidade de sexos era requisito para a caracterização dessa entidade familiar. Todavia, em 05 de maio de 2011, o STF julgou em conjunto a ADPF 132 e a ADI 4277, estabelecendo-se o entendimento de que a união homoafetiva é entidade familiar, e que dela decorrem todos os direitos e deveres inerentes à união estável, aplicando-se, assim, o dispositivo 1.723, do Código Civil às relações homoafetivas.
Há que se destacar que o instituto se caracteriza por uma relação de fato e, assim sendo, não exige formalização, como é o caso do casamento. Todavia, para que a situação fática seja reconhecida como união estável, é preciso que o casal conviva com a aparência de casados (posse do estado de casados), ou seja, haja comunhão de vidas, material e imaterial[1].
A publicidade decorre da notoriedade social, no âmbito em que o casal esteja inserido. Além disso, para que a relação seja considerada contínua e duradoura, é necessário que perdure por prazo que denote estabilidade, o que será analisado de acordo com o caso contrato, uma vez que a lei não prevê prazo mínimo para sua caracterização.
A ausência de prazo determinado em lei é coerente com o instituto, tendo em vista que a união estável precisa ser verificada de fato. Ademais, a instituição de prazo poderia dar margem a fraudes pela interrupção do relacionamento às vésperas da constituição da família convivencial.
Conclui-se, portanto, que breves relacionamos não caracterizam união estável, porque além de não haver o intuito de constituição de família, não são considerados contínuos e duradouros. A continuidade é caracterizada pela permanência sem interrupções, enquanto a durabilidade contrapõe-se à relações eventuais.
Outra distinção importante refere-se às famílias convivenciais e o namoro qualificado. Neste, o casal ultrapassou a fase de conhecimento; um está inserido no contexto familiar da outra pessoa; compactuam com suas rotinas, dividem despesas, ou seja, o relacionamento já tem solidez, conta com a publicidade, durabilidade e continuidade.
Todavia, diferentemente da união estável, não existe intuito presente de constituição de família, portanto, não há efeitos jurídicos ou consequências patrimoniais, uma vez que o casal não é reconhecido como entidade familiar.
Assim, a principal diferença entre o namoro qualificado e a união estável reside no animus familiae, qual seja, o elemento volitivo relacionado à intenção de viver como se casados fossem[2].
No namoro qualificado, os pares querem reservar para eles o direito de não assumir família, por mais que estejam inseridos no núcleo familiar um do outro, mantenham relações sexuais maduras e, por vezes, pernoitem juntos. Não há, também, dependência econômica entre os namorados, o que é verificado com mais facilidade entre os casais que convivem em união estável.
Nessa seara, surgiu o contrato de namoro que, apesar de não apresentar robusta segurança jurídica, tem sido utilizada por casais, na tentativa de desclassificar suas relações como união estável, manifestando a ausência no intuito de constituição de família.
O moderno instrumento é perspicaz, mas não possui validade indiscutível, já que a união estável é uma situação de fato, o que condiciona a eficiência tanto do contrato de namoro, quanto de união estável, às circunstâncias fáticas de entidade familiar em razão do comportamento das partes. Isso porque a manifestação de vontade por meio de contrato não é requisito para a caracterização da família convivencial, tão logo, o contrato não possui força para criar união estável, ele apenas atesta uma situação de fato.
Dessa forma, se as partes atestarem equivocadamente a situação de união estável, o contrato, apesar de válido, não produzirá efeitos, será ineficaz.
Destaca-se, ainda, que o contrato deve observar os impedimentos para o casamento, previstos no artigo 1.521, do Código Civil e, ainda que lavrado por meio de escritura pública, o que confere maior força probatória, deve condizer com a realidade do casal, uma vez que a união estável é fruto de uma situação de fato.
Caso o casal opte por instrumentalizar sua união, poderá fazê-lo por meio de contrato escrito, sem forma defina em lei, nos termos do artigo 1.725, do Código Civil. Tem-se, então, a utilização de instrumento particular, com o reconhecimento de firma e assinatura de testemunhas optativos, ou instrumento público, por meio de escritura pública, sendo esta a alternativa mais segura, diante da robustez do documento, quando utilizado como prova. Vale destacar a fragilidade do contrato particular, apesar de sua validade, principalmente diante da alegação de vício da vontade.
Cumpre mencionar, ainda, que a utilização de escritura pública para o registro de uniões poliafetivas está proibida, por entendimento pacificado do plenário do CNJ, sendo a constituição de sociedade empresarial, alternativa para resguardar o patrimônio das pessoas que convivem nesse tipo de relacionamento.
Apesar de as famílias convivenciais não dependerem da instrumentalização para seu reconhecimento, o contrato de convivência possibilita a escolha do regime de bens e qualquer estipulação quanto ao regramento patrimonial do casal; adoção de sobrenome um do outro; cláusulas existenciais, desde que não violem os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar, segundo Enunciado nº 635 das Jornadas de Direito Civil.
Os efeitos do pacto convivencial, no entanto, não poderão retroagir, segundo entendimento do STJ. Assim, enquanto não houver a formalização da união estável, vigora o regime da comunhão parcial, no que couber[3].
Em suma, o contrato está condicionado à correspondência fática da entidade familiar e aos pressupostos de reconhecimento da união estável. Diferentemente do casamento que acontece por um ato formal, a união estável é um fato que se prorroga no tempo, com a demonstração dos requisitos de sua caracterização.
Por fim, destaca-se que a Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 3º, estabelece que a lei deveria facilitar a conversão da união estável em casamento, porém o artigo 1.726, do Código Civil, em descompasso com o dispositivo constitucional, refere que tal pedido deve ser feito ao juiz para posterior assento no Registro Civil.
Além de não especificar o juízo competente, a lei em nada facilitou ao deixar de especificar o procedimento, o que é objeto de crítica pela doutrina por retardar a prestação da tutela jurisdicional[4].
Diante do exposto, verifica-se que apesar da ausência de formalismo, o instituto da união estável guarda questões complexas que são aos poucos aprimoradas de acordo com a evolução social e prática jurídica.
[1] SILVIA, Regina Beatriz Tavares da. Curso de direito civil, 2: direito de família/Washington de Barros Monteiro, Regina Beatriz Tavares da Silva – 43. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.
[2] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito d família contemporâneo/ Conrado Paulino da Rosa – 6ª. Ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020.
[3] STJ – REsp: 1383624 MG 2013/0146258-6, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 02/06/2015, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/06/2015
[4] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito d família contemporâneo/ Conrado Paulino da Rosa – 6ª. Ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020.