As transformações sociais eventualmente chegam ao Legislativo e ao Judiciário para que as leis e as decisões judiciais se adaptem à realidade social. No âmbito do Direito de Família, essa dinâmica não é diferente. Em 2015, observou-se que havia mais lares com cachorros (44%) do que com crianças (36%) no Brasil¹.
Esse dado, aliado à diminuição da taxa de natalidade e ao crescimento do mercado pet, demonstra que pessoas, sejam solteiras, conviventes em união estável ou casadas, postergam ou se abstêm do projeto parental e escolhem os animais de estimação como membros de sua família. Assim, surge a família multiespécie, definida pela interação humano-animal, considerando os bichos de estimação como verdadeiros membros da família. Esse reconhecimento e proteção encontram-se no rol exemplificativo do artigo 226 da Constituição Federal, na ADPF 132 e na ADI 4277.
Os animais de estimação têm uma natureza sui generis, ou seja, são sujeitos de direito despersonificados. Embora o Código Civil de 2002 estabeleça que eles não são considerados sujeitos de direito, na prática, os animais não são mais vistos como “objetos ou coisas”, mas sim como membros da família. Além disso, são reconhecidos como seres sencientes, possuindo natureza emocional e biológica. Desde 2015, com a alteração no Código Civil, os animais de estimação deixaram de ser considerados coisas.
No entanto, em casos de divórcio, assim como ocorre com filhos, os pets também podem se tornar o centro de litígios. Em resposta a essa realidade, foi aprovado o Enunciado 11 do IBDFAM: “Na ação destinada a dissolver o casamento ou união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal.”
O termo utilizado é “custódia”, pois não se confunde o reconhecimento de direitos aos animais com aqueles atribuídos à guarda de filhos. A ação relativa à custódia de animais não conta com a intervenção do Ministério Público e, se preenchidos os requisitos legais para o divórcio extrajudicial, pode ser realizada diretamente no cartório.
O reconhecimento jurisprudencial do vínculo afetivo com os animais de estimação e sua importância não resulta na aplicação dos institutos criados para a proteção de crianças e adolescentes. Francisco José Cahali defende que a custódia deve ser concedida à parte que demonstrar melhores condições de cuidar do animal, observando os critérios do melhor interesse do pet para definir qual das partes possui maior vínculo com o animal.
Parte da doutrina também defende a possibilidade de custódia compartilhada, permitindo que ambos os tutores mantenham o pet em seu convívio, como uma espécie de visitação. Nesse contexto, surge a discussão sobre a responsabilidade civil pelos danos causados pelo animal durante a custódia compartilhada. Contudo, permanece a aplicação do artigo 936 do Código Civil, estabelecendo que a responsabilidade civil pelos danos causados pelo animal é do dono ou do detentor.
Quanto à divisão das despesas do pet após o divórcio, como uma contribuição mensal, há possibilidade de ser acordada para evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes.
Também é possível planejar a sucessão considerando o animal de estimação. A cláusula testamentária que deixa um imóvel, observada a legítima, a um legatário com o encargo de cuidar do animal de estimação é válida e eficaz. O descumprimento do encargo pode levar à perda do bem. A tarefa de fiscalizar o cumprimento do encargo cabe ao Ministério Público e aos outros herdeiros. A consequência do descumprimento é a perda da propriedade do bem deixado.
Conclui-se que os animais de estimação fazem parte da família e não podem ser ignorados pela lei, nem no âmbito do Direito de Família. Observa-se um grande avanço no reconhecimento dos direitos dos animais e no reconhecimento do afeto entre eles e os humanos. Essa relação afetiva, que ganhou relevância jurídica durante e após a vida, ainda é objeto de divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
Notas:
¹ ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo / Conrado Paulino da Rosa – 6ª ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2020.